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Em Lisboa, entre livros e amigos, sua mulher retornada à tão desejada convivência com a família de origem, esta vida vivida em linhas paralelas, leva a que a relação do casal vá esfriando e nem o nascimento da terceira filha faz reacender a chama. Quando, em 1947, após ter sido dispensado de vice-presidente, que ocupava na Junta Nacional dos Resinosos, retorna ao notariado sendo colocado em Estarreja, sua mulher, não querendo retirar os filhos dos estabelecimentos de ensino onde se encontravam a estudar, permanece em Lisboa. O escritor a Lisboa vem sempre que tal lhe é necessário, e aí passe as férias de Natal e de Páscoa. As férias grandes goza-as igualmente com a família em Arcos de Valdevez.
O seu desapego à burocracia inerente ao cargo de notário que desempenha leva-o,
imprudentemente, a entregar praticamente na mão dos ajudantes do cartório as tarefas de Tesouraria. A experiência de boa colaboração de Tarouca, ao contrário do que terá admitido, não se repetiu. Sentindo-se livres de qualquer controle os de Estarreja aproveitam a ocasião para em proveito próprio inflacionarem as custas deste modo prejudicando quem ao cartório recorria. É assim que o poeta se vê envolvido num processo de inquérito envolvendo interrogatórios longos e agressivos – descreve-os assim nas primeiras quintilhas do seu longo poema “Orfeu e Eurídice”:

Cães da cidade, em traseiras
de quinze metros quadrados,
que nunca viram o céu
mais que um retalho de estrelas,
que só quando a Lua passa
pela vertical do páteo
à lua podem ladrar

Como Tomaz de Figueiredo afirma, tal processo tem sobre a sua saúde consequências desastrosas: mergulha-o em profunda crise de “melancolia” – assim lhe chama – que o precipita em tratamentos que, pela sua severidade, mais agravam o seu estado. Desaparecido, então, do mundo das Letras durante dois anos, vai encontrar na poesia a alma irmã em que pode descarregar todo o seu sofrimento intelectual, mas que, igualmente, lhe será suporte e força necessária para, lentamente, se reequilibrar. E o seu amor pela Língua Portuguesa terá, ele uma vez mo disse, sido um dos mais poderosos remédios em tal reequilíbrio.

O que eu morri na barbara noitada!
Treze horas de polé, de arbítrio e açoite…
O amanhecer da alma cilindrada,
ciente de haver sido executada.
A infernal, inconcebível noite!

É esta uma extraordinária fase de produção poética – doze dos dezassete livros que constituem os dois volumes de poesia publicados pela IN-CM são compostos pela torrente de sonetos e poemas que do seu cérebro ferido jorram continuamente. São tantos, que dificilmente se torna a sua escolha, e quase apetece o impossível: transcrever tudo o que dessa época nos legou. Aliás, o próprio poeta, como que sentindo-se vencido pelo turbilhão poético que de si brotava, entendeu pedir a Natália Correia uma opinião, que desejou crítica e imparcial – e ela veio, sem sombras ou dúvidas: tais poesias, considerou-as Natália, da mais pura e indelével inspiração.

 

Ah! Língua Portuguesa! Ah! Paixão
minha, desde anos longos tão fugidos!
Ah! Flor sempre olorosa em coração
de poeta, e sempre em virginal botão,
em botões mil, eternos, lá floridos!


Tu, sim! Até ao meu extremo fel,
Madalena serás de minhas penas.
Fiel a ti, e tu a mim fiel,
ambos nos beijaremos no papel
ó voz em que falaram as Camenas.
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Ah! Língua do da Flor de Pino Verde,
do Lavrador, do Rui, do Fernão Lopes,
língua em que meu buscar sempre se perde,
em que ocidentalmente amou o Verde,
em que Teixeira Gomes deu galopes!
………………………………………………

Sabe que peno a amar-te, Língua minha.
Que, no leito da dor, em versos puros,
vou traduzindo a amargura minha.
Que, em ti pensando, busco a adivinha
do mal, e arrombar-lhe os feios muros.

Ó Língua minha mãe, em cujos seios
mamei o amor da minha Pátria ingrata,
a escavar-te os ancestrais esteios,
como dum mármore a seguir-te os veios.
Morro de amor. O amar-te muito mata.
…………………………………………….

In Poesia I, Orfeu e Eurídice, IN-CM

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