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Já não tenho ambições
nem sonhos.
Nem me apetece desejar…
o dia de hoje foi igual ao de ontem,
como serão iguais os de amanhã e os que se seguirem
até que já não haja mais dias
e eu tenha nascido ao contrário!

 

Como até hoje, mesmo por que me não deixaram,
nada fiz para que valesse a pena ter nascido,
- Pergunto – porque nasci?
Sim!
Não é verdade afirmar que Deus nada cria que seja inútil?
Que grão de areia, por mais insignificante,
carreei para bem dos Homens?
Não me lembro.
Pelo menos, não me apercebi de o ter carreado
e só o consciente vale,
só a vontade merece Deus.

Também,
quando em mim havia audácia e fogo,
quando me supunha capaz, e talvez que o fosse,
de conquistar o Mundo,
- em vez de consentirem que eu aspirasse a conquistar o Mundo
disseram-me que tivesse juízo
e meteram-me na mão a sebenta de Direito Romano!

Disseram-me que tivesse juízo…
Por que será que as pessoas de juízo nunca fizeram qualquer
coisa decente?
E por que será que a História da Humanidade
está cheia do que fizeram os loucos?...

Os loucos – no entender das pessoas de juízo…

A mim disseram-me que tivesse juízo,
E mataram-me.
Hoje, sou uma pessoa de juízo!
Podem, portanto, estar descansados que não descobrirei
a pólvora!

Nessa não caio eu!
Além de tudo, eram capazes de me tirar o emprego!

Dantes,
havia muitos que não podiam ver-me…
Hoje,
todos gostam muito de mim e dizem que sou uma “jóia”!
Daqui infiro
quanto me tenho inferiorizado!
Pois se atá os estúpidos dizem que sou inteligente!
- Eles, que dantes orneavam que eu era estúpido
- Eles, que dantes horneavam, urneavam, hurneavam,
- orneavam com todas as grafias possíveis e impossíveis!

Agora,
estão seguros de que já não posso fazer-lhes sombra,
e todos são muito meus amigos.

 

Deixo cair os braços
e abro as mãos;
os meus braços já não se querem erguer,
nem as minhas mãos segurar.
A morte que venha
se quiser vir…

in Poesia II, Poesia Diversa, IN-CM

Poema da Vida Morta

LÁPIDE

Em Ponte da Barca, abandonando um pouco a poesia, impondo-se como novelista e contista, nasce o romance que, transpondo para o aparo muitas das figuras que, bacocamente orgulhosas se passeiam no meio convencional que o rodeia, vão integrar o romance FIM que pretende escrever: este romance, inacabado, só postumamente foi publicado pela IN-CM integrado no volume A Toca do Lobo. Era, à data em que foi escrito, impublicável, já que encerrava acérrimo libelo à política salazarista que então se impunha, e aos seus seguidores, muitos deles simples labregos, espalhados pelo país.
Desde bem novo, diz o poeta, “desde os treze, catorze anos, curvado a tal fatalidade: a de roubar o fogo ao Céu”, ou seja, dedicar-se à arte de bem escrever, compreende Tomaz de Figueiredo a regra que D. João da Câmara deixou em livro manuscrito, e que toma como sua. “Há infinitas formas de exprimir uma ideia. A melhor é a única boa”:

 

Como não poderia um homem que assim pensava, perfeccionista por natureza e que, em texto seu, afirma o quanto desejava melhorar, melhorar sempre o que escrevia, até obter a óptima versão, chegando a recordar: “Na Nova Demanda do Graal  o poeta ainda inédito das Éclogas de Agora confidenciou: gostava que os meus livros (os que menos me desconsolam) tivessem edições sucessivas, só para chegar ao texto definitivo, se o há.” Como não poderia este homem, este escritor que ambicionava também ele atingir a perfeição na escrita, deixar de ser sarcástico, crítico de quanto lhe caía debaixo dos olhos – e, por várias razões, mais ainda do que era forçado a ler por dever de ofício (do burocrático,entenda-se). O soneto seguinte é bem exemplo do que acima se afirma:

Quando leio um despacho,
(sempre em bunda, no bunda mais sinistro)
de Director-Geral ou de Ministro,
bato-o como a um capacho.

 

É de burroide o listro,
com tal despacho o taxo, o escacho e racho,
eu, tocador de sistro,
de violino, celo e contrabaixo.

Vão lá, vão lá coçando os seus umbigos
tão ilustres sandeus.
se os têm com sarna, usem farelos trigos.

Quando serram em cima os filisteus,
digo, como os antigos,
que muito asno come o pão de Deus.

In Poesia II, Poesia Vária

Casa de Casares, em Arcos de Valdevez, residência familiar de Tomaz de Figueiredo

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Maria Antónia durante uma visita de professores galegos à Casa de Casares

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