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Os cargos oficiais que desempenhei, tão exteriores a mim, considero-os violência de vida. Comecei por notário em Tarouca, onde vivi os três únicos bons anos burocráticos…”. Esta frase já antes citada, de Tomaz de Figueiredo, sintetiza bem o quanto a carreira de funcionário público lhe foi pesada.
Mas, regressemos a Tarouca - efectivamente, recém-formado e recém-casado, os três anos vividos nesta Vila, para onde se desloca com a família, constituem anos de felicidade para o poeta, ainda que não para a sua jovem esposa que, habituada a Lisboa, a uma família numerosa que amiúde se entrevisita, à alegre convivência com tantos primos e primas da sua idade, estranha e sente o isolamento do tipo de vida para que se vê atirada. Para ele, no entanto, a situação não se apresenta de idêntico modo: em casa aguardam-no a esposa e dois filhos a quem mito quer; no cartório há um ajudante exemplar que, eficiente e amigavelmente, o ajuda nos primeiros passos da actividade que deve desempenhar; a terra é ainda sãmente “primitiva”; e seus pés tem ainda um rio repleto de trutas, e, à volta, montes “enxameados de perdizes”…Que mais pode desejar o poeta?! Mais tarde, no seu longo poema “Viagens no Meu Reino”, descreverá dias desse idílico viver:

O tempo desanda, e em 1934, após três esassos meses na Nazaré, a família desloca-se para Ponte da Barca: nova experiência de vida e novo cartório notarial para o poeta,, que começara entretanto a surgir, rapidamente a impor-se, como novelista e contista no semanário Fradique. De Tomaz de Figueiredo diz Tomaz Ribeiro Colaço, director do Fradique, ao apresentar os seus colaboradores: “Chafariz de novelas, cintilantes como água pura. Espanta a sua clareza de estilo, com o seu talento…enovelesco. Desbanca o mais pintado moedeiro falso na arte de fazer contos…verdadeiros.”
Procurando ultrapassar a sua característica “selvagem” (em Coimbra fora conem puxadashecido por “fera do Soajo”), e dado que em Ponte da Barca existe uma certa vida social,o poeta que, sempre que o deseja, sabe ser afável e simpático, integra-se, com sua mulher, na sociedade local. Couto Viana, que o conhece nesta época, conta: “Conheci-o na intimidade dos meus, pelos estios da Ribeira Lima, eu adolescente, ele a roçar os quarenta. Muito pimpão da sua musculatura, como o observa José Régio, não o supunha um homem de letras, antes um atleta. “E assim o temos parceiro de ténis – com bolas bem puxadas – nos courts  didor e ganhador.
De torneios de tiro aos pratos, muito social, sociável e simpático”. Mas, dotado de arguta e fria inteligência, interiormente crítico e divertido com o que ia observando à sua volta, e que “guardava no saco”, mas crítico também da sua evolução humana, escreve:

Repara num poeta descuidoso
que além vai a saír dum casal branco,
de cana ao ombro e mangas de camisa,
assobiando o “Sonho da Manon”.
Uma menina e um menino, os filhos,
acenam-lhe das grades de um portal.
Que lindos olhos pretos que ele tem!
e verdes, com polvilhos de canela,
Os dela, e de cilícios de retroz!
- Pai! Pai! Traz o cabaz cheio de trutas!
gritam-lhe, ao passo que lhe atiram beijos.
E da janela, a Mãe, linda senhora,
recomenda: - “Não venhas muito tarde!”

Mais dias felizes, entrecortados, sem dúvida, por alguma “actividade burocrática” mais desagradável, , surgem já como a tal “violência de vida”. Associemos-lhes Invernos frios e chuvosos, o desejo da mulher de mudança para localidade menos perdida no país profundo, um dia menos pacífico a nível notarial e encontraremos razão para que o poeta solte este:

O NUNCA MAIS

Chegou, num raio, à Ponte dos Tojais,
lá chicoteia espumas e cachões.
Eia! Que truta de luzido lombo
arrancou! Pelo ares, negra, reluz.
E outra! E mais outra! Num minuto,
n ada menos que três, mais que palmeiras!
O pescador poeta agora canta:
- “Paris je t’aime!” O seu Paris é o rio.

In Poesia II, “Viagens no Meu Reino”, IN-CM

SONETO LAMENTOSO
DO NOTÁRIO-POETA

Fiz hoje uma escritura. E toda a lei vigente,
em clausulas sagazes nela foi contida.
Antes de compreender a transacção requerida
o cérebro ferveu-me – estertorosamente!

 

Os outorgantes vis, - cheiravam a aguardente,
- era uma questão de água e servidão devida!
Queriam  esfaquear-se. Eu disse-lhes que a vida,
valia talvez mais que regos e nascentes!

Assinaram por fim. E julguei-me liberto.
Mas eis que um lavrador, fazendo-se de esperto,
achou salgada a conta, armando novas querelas.

E fechei o cartório, e, muito chateado,
retirei a pensar no meu destino errado,
eu, que pensei nascer, para escalar estrelas...

In “Jardim Antigo, Poesia II, IN-CM

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