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Contemporâneo deste é o “Soneto da Minha Dor” que apresenta laivos de irreverência e sarcasmo, a par da angústia, superiormente olhada e suportada

Um outro soneto enviou a Régio com o objectivo da sua publicação na “Presença” . Era um soneto de feitura original, de grande qualidade e como tal mais tarde identificado pela crítica competente e abalizada. Porém o desiderato da publicação não foi atingido. Régio por carta endereçada a Tomaz de Figueiredo, perante insistência deste, declara o mesmo haver-se perdido! O que, mais tarde, seria infirmado, uma vez localizado no espólio de Régio o soneto pretensamente extraviado! A “concorrência” e as suas praticas nem sempre correctas existem em todos os domínios – até na Literatura, até na Poesia!
Desejava o poeta que tal soneto fosse apresentado como se de prosa se tratasse, e assinado com pseudónimo, para poder assim aquilatar como seria recebido.
Porque se desenvolve de modo a que a ideia de cada estrofe termine a meio da estrofe seguinte, e assim sucessivamente, o intitulou:

Eu que a princípio era um optimista
olhando a vida só pelo que tem de são
bem cedo mergulhei na vaga confusão
da treva onde perde, incerta, a minha vista.

 

E aprendi a ser irónico e trocista
a considerar o Bem como um conceito vão
e não enxergo nada desde então
Que mereça um olhar do meu olhar de artista.

Tudo é vaidade, fumo negro, sombra vaga
no temporal do oceano escuro desta vida
que vai quebrar, não sei em que remota plaga.

 

- Como dizias bem, ó Salomão, meu Sábio,
não há nada que valha a náusea incompreendida
no rictos indiferente e crasso do meu lábio.

In Poesia II, Poesia Vária, IN-CM

José Régio, qual lápis censurial, não o publica: não terá, porventura – porque motivos?! – apreciado a experiência que Tomaz lhe propunha! O próprio escritor lhe dá posteriormente a apresentação convencional acima transcrita.
Mas Coimbra, e a juventude, e as raparigas desse tempo, “a moreninha da casa fronteira, que até fazia versos, moreninha da Bíblia, ilustração dos “Cantares”, ou Maria “linda, que linda, essa de tranças de cacho de uvas de retábulo barroco”, ou ainda a bela Pauline Pau vinda à cidade a filmar “A Fonte dos Amores”, “a de olhos infinitos, de azul de Mediterrâneo”, esta Coimbra surge também na poesia desse Tomaz de Figueiredo de então, poeta igualmente do amor, mesmo quando este desilude e magoa:

Senhora, o teu amor fez-me outra vez
menino quanto eu era, menino quando a minha
Mãe em seus braços tépidos me tinha
adormecido. E eterna insensatez

 

dos amorosos impensados, fez
que depusesse em tuas mãos de rainha
o meu destino, como cantarinha
de barro. – Agora vê lá bem. Não dês

Com ela em terra porque é bem mais frágil
que ela se quebrasse. – Ela, mão ágil
e habilidosa a colaria! -  Morto

aquele, - adeus esperança, glória, vida,
tudo…ironia amarga e dolorida
dum barco a naufragar dentro do porto.

In Poesia II, Poesia Vária, IN-CM

SONETO EM ZIGUEZAGUE

CANÇÃO DE AMOR

Foi teu. E nada menos que um tesouro,
- sapiente, doutora!
nem o saco lhe abriste. Se de couro…
e jogaste-lo fora.

A más horas – sumiu-o um sorvedouro –
teimas achá-l,o agora.
Agora, que soubeste que era de ouro,
- presumida Teodora.

Apostaste-o de chumbo, tal o peso.
Quando muito, ouropel.
E,ou  arca dos incas, ou desprezo.

Quando voltes ao mundo, noutra pele,
mas de olhar sempre aceso,
ao tocar-te um parecido, vê se é ele!

Quero-te mais que à vida, murmurava
a sua voz ao meu ouvido. Perto,
no canavial, um rouxinol cantava
uma canção se amor ao céu aberto.

Tarde tão calma, tão feliz! Pairava
um sonho sobre o lago. Era um deserto
o céu: nem uma estrela despertava.
e, sobre as águas, nem um voo incerto

E foi morrendo a tarde…e o sonho…e a voz
do rouxinol no canavial…Depois
perdi o amor dela…o seu afago

(Tudo se perde, amigos, ai de nós!)
- Vento, não digas nada àqueles dois
que andam além sonhando sobre o lago.

In Poesia II, Poesia Vária, IN-CM

Datado de 1925, o soneto seguinte, dirigido talvez a uma paixão inconrespondida, de uma cadência diferente das anteriores, traz-me já o escritor, que, quando ferido, irá utilizar a caneta como “arma de arremesso” de sarcásticas vinganças.

CANTIGA DE ESCÁRNIO

Estes, e muitos outros da mesma época, são sonetos que apontam já para uma tónica do poeta, que o acompanhará ao longo de toda a vida, e que o levará a considerar a Mulher biblicamente companheira nas boas e más horas, lenço consolador de penas e angústias. Aquela que ele acreditava ver na noiva, que um dia se irá transformar no maior bem perdido e que lhe será, a par dos seus mortos, inspiradora de poemas e romances.

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