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Aos 18 anos o escritor ruma a Coimbra, a cursar Ciências Jurídicas, como era de boa tradição familiar. Tradição que, no caso, visceralmente se lhe não ajustava e que o há-de amargurar a vida toda. Pensamos às vezes como teria sido diferente, em felicidade e realização, a sua vida se tem, antes, enveredado pelas Letras, como fizeram, por exemplo, Vitorino Nemésio e David Mourão-Ferreira. O escritor e o poeta não se perderam: Mas perdeu-se irrecusavelmente um Mestre de uma Faculdade de Letras, com grande capacidade de irradiação junto aos jovens universitários aos quais, na época, banzêmo-nos com tamanha “violência” (!), não era permitido cometer erros de ortografia!
Por Coimbra se mantem durante cinco anos (integra o Curso Jurídico de 1920-1925), ainda que estudar não tenha sido, decerto e naturalmente, a sua primordial preocupação! Ele próprio o afirma: ”Eu cá, esse que fui, apenas – gato por brasas - assisti a duas aulas do Curso, e quase rabiei de lá ter ido, que muito belamente poderiam ter-me dado cabo, a principiar pelo saber da Gramática e da Retórica válida, do gosto literário com que fui nado.”
Em Coimbra havia nessa altura um fervilhar de ideias em gente moça ligada às Artes, à escrita e à Poesia, à edição de revistas que se desejavam modernistas e que eram apaixonadamente pensadas e discutidas. Essa é a Coimbra que verdadeiramente interessa ao jovem Tomaz, esse é o meio em que se move, em que busca e encontra colegas e amigos. É a Coimbra que mais tarde irá recuperar no romance “Nó Cego”, no monólogo “Conversa com o Silêncio” ou na excelente novela “Reconstrução da Cidade”.

Casa na R. de Stº André em Braga onde se admite ter nascido Tomaz de Figueiredo

Em “Conversa com o Silêncio” recorda o escritor aquele quarto, em Coimbra, do colega Mário Coutinho, “um quarto à Rua dos Anjos onde uns tantos de ambição mais esclarecida sempre viam rosar-se a aurora, e onde a “Presença” foi chocada. Lá, o que chamámos Arte Viva – e bem! – de madrugada em madrugada foi discutido e assente o Universo Uno, o Total Pessoal, até que vieram picar a casca só uns sobejos do grupo e alguns novi-chegados, esses vindos do “Triptico”, mas um dos quais, um gordo, viria a reclamar-se voz original, ele que nem sequer porta-voz, nem sequer penedo de eco, zabumba, só. Aquele grupo, levado do diabo, ao início era só de quatro. Era o portador dos papiros de largar a fugir e também dos óptimos, era o Edmundo de Bettancourt, era o Abel Almada, aquele que incansável construía a Teoria dos Contrários, o método de chegar à verdade oculta da simulação, e que, tão inteligente, para a sua Madeira foi e lá ficou, acho que desanimado das Letras…E o quarto do grupo diz-me cá uma reminiscência que era eu.  A estes quatro se ajuntaram mais sobreviventes da Byzâncio, o Fausto e o Santa-Rita, o Régio e outro que não vinha de parte nenhuma, um Navarro, daí a nada a pedir-me lições de métrica, pois se propunha a fazer “versos medidos”. E recorda ainda: “Era eu caloiro em Coimbra. Na casa onde morava, entre vários doutores, havia dois muito dados à literatura…O facto de eu saber que perpretavam sonetos, sem que soubessem que eu incorria no mesmo delito, conferia-me invejável situação, apesar da minha inferioridade de caloiro: - res nullius – segundo o Palito Métrico. Conferia-me a situação de os poder observar e julgar, sem que pudessem outro tanto. Eles declamavam e eu ouvia. Ouvia e ia formando juízo.”
Este ambiente, culturalmente tão rico, influencia necessariamente o jovem que só se queria escritor e poeta, levando-o ao “delito” de tais sonetos, que a poucos mostraria por certo, mas ia deitando para a gaveta, e que se revestem já de um sentimento de vida naufragada, de um nunca alcançar os céus a que deseja ascender:

Num velho bergantim de velas rôtas
fui-me a buscar paragens de além-vida.
- Meu pobre bergantim, anda perdida
minha alma em busca de regiões ignotas

 

Quem sabe o rumo à cor de opalas frotas
onde minha quimera anda perdida?
Golconda, Ofir, paragens de além-vida?
Que estranhos rumos! Que ignoradas rotas!

- Meu velho bergantim! Sobre os teus mastros
chovem dilúvios de incendiados astros,
que são os prantos com que chora Deus.

Já as ondas preludiam um adágio
em som e cor. Espera-te o naufrágio,
invariável fim dos Prometeus.

Coimbra, 1920, in Poesia II, Poesia Vária, IN-CM

​Vindo mais tarde a afirmar: “Passeei em Coimbra com o chamado grupo da “Presença”, do qual em verdade não fiz parte, umas vezes aceitando e outras recusando, outras até ensinando e guiando, pois, independente e selvagem como era e me conservo –por graça de Deus! -, impossível deixar-me arrebanhar, aceitar qualquer diácono ou pontífice”, apenas com um soneto colabora na “Presença”, saído a lume quando o escritor se encontra em Lisboa, para onde vai em 1925, a fim de – aí sim, e com os olhos já fitos na noiva e no futuro casamento – prosseguir e terminar, após três anos, o Curso de Direito que lhe seria ganha-pão. Este soneto, que Couto Viana apelidará de “lapidar”, surge no número quatro da “Presença”, mas datado de Coimbra, 1923:

Athene Parthenon

Poeta de hoje vivo ainda a Atenas
das tradições homéricas, - da lenda…
A minha fantasia tece-a a renda
feita de espuma das criações helenas.

 

Evoco as linhas nobres e serenas
de Bríseis junto a Aquiles – numa tenda.
Não há breve dizer que eu não entenda
em suas graças pastoris avenas.

 

Atleta como um grego – sonho lutas.
Há na minha arte jónicas volutas,
- acantos lanceolados como insídias…

E modelando as formas de um soneto
no mármore dum Sonho predilecto,
a minha pena – é um cinzel de Phídias!

In Poesia II, Poesia Vária, IN-CM

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